Edson.Olimpio

Sapato apertado!

stavam alguns estudantes de Medicina na praça junto à Santa Casa num alegre e ruidoso bate-papo sobre os novos e maravilhosos conhecimentos adquiridos e a pressa de começar a usá-los, empregá-los na profissão. Há estudantes que ainda estão engatinhando, mas já se sentem “médicos”. Creio ser assim em muitas outras profissões, em vários ofícios. De maletinha e estetoscópio pendurado no pescoço desfilam com o peito estufado como senador da República. Um colega gostava de ser chamado de doutor e cardiologista no início da longa gestação que irá parir um médico real e apto ao exercício profissional com respeito, critérios sólidos e conhecimentos alicerçados em muito estudo e humildade. Voltando aos “alegres estudantes de Medicina”. “Aquele senhor vem com a marcha irregular porque deve ter tomado uns tragos e o álcool está provocando isso aí”! Denotava empáfia seu palavreado. Ao que outro rebateu de pronto, como o zagueiro Paulão na defesa do Colorado: “Ele deve ter labirintite, pois quem tem labirintite fica tonto e caminha assim”. Uma “jovem doutora” sacou os fones de ouvido, suspirou, olhou para as árvores e desdenhou: “Labirinto foi aquilo do Teseu e do Minotauro. Observem que agora que ele está encostado no muro, ainda faz movimentos de Parkinson. Aposto que é Parkinson”!

Crônicas & Agudas

Quem não sabe que brasileiro adora uma aposta. Jogatina tem pátria e o governo é dono. Do carnê do Baú ao par-ou-ímpar tudo vira numa aposta. Contam que um “baita bagual” perdeu a virgindade numa cancha de jogo do osso no famoso 7 Facadas que vigorou longos anos aqui no Centro histórico. Apostou o que não devia e pagou na marra. Contam! Voltando aos estudantes. A “jovem doutora” fez cair a crista de alguns. Exceto dum meio machista que cochichou alto: “Ela tá na TPM”! “Vamos baixar a bola e...”; não encontrou outras palavras. O homem encostado no muro, meio alheio aquela discussão ou seria uma “junta médica”, levava as mãos ao nariz com frequência. Outro “doutor”, muito observador, atirou: “Problema no nervo ciático, pela idade deve ser até diabético e está iniciando uma crise de pânico”. Novas altercações. Eis que alguém resolveu sugerir que cada um casasse uma grana e fossem conversar com o “paciente”.

Cr & Ag

A “doutora” abraçou a causa e foi conferir o diagnóstico certa de levar os pilas dos colegas. E conversou com o homem, que ainda escorava o muro com as costas. Depois de um tempo, talvez numa anamnese, mas sem exame físico e nem exames complementares, voltou desiludida: “Estamos todos errados, ele disse que está de sapato novo e os pés estão cheios de bolhas”. Entreolharam-se! “Minha mãe sempre comprava sapatos para nós depois de seis da tarde, aí os pés estão inchados e a gente compra o sapato certo e não dá bolhas d’água”; afirmou solenemente. Reuniram-se e voltaram para a história Santa Casa, para o campo de batalhas nas enfermarias e ambulatórios. Geralmente uma frustração dura até a próxima. Dois deles atacaram um vendedor de Kibon e enquanto saboreavam um Chicabom foram conversar com o “paciente coletivo”. Homem simples e de boas maneiras logo o papo correu liso como gincana no pau de sebo.

Cr & Ag

“Pois agora até acho que posso contar pros doutores o que é que eu tenho de verdade. Fiquei muito envergonhado com a doutorinha que me pareceu muito inteligente e instruída. Não é problema de sapato apertado e nem de bolhas. Vim fazer umas compras aqui na Capital e comi um mocotó ali em baixo. E foi entrar e me complicar. Daí que eu vinha chegando aqui na praça, dei um pum e me sujei todo”. Concluindo. Levaram-no para a Santa Casa onde providenciaram um banho, troca de roupas e medicá-lo. Assim pode ser a vida real!

2019 – 10 – 01 Outubro – Sapato apertado – Eds Olimpio – Crônicas & Agudas – Jornal Opinião de Viamão

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