2015 – 02 – 24 Fevereiro – Olho de Sogra – Edson Olimpio Oliveira – Crônicas & Agudas – Jornal Opinião
Olho de Sogra
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izia T. Jordans, o Filósofo do Apocalipse: – Nada é o que parece. E se parece, não é! – assim é o título. Numa época turbulenta de carnaval com sobreviventes na avenida e do governo brasileiro, vamos adoçar a coluna, que também é vertebral, do Opinião. Outra amiga me dizia: – Comparar o olho da minha sogra com o doce é algo desalmado… para o doce. Já açucarei a vida de vocês com ambrosia feita pela avó ou pela dona Alaíde, lá de Mostardas. Enalteci o sagu da sogra Palmira, sem igual e mesmo a gente adorando e repetindo trocentas vezes, ela murmura: – O ponto poderia ser melhor. Se melhorar, seremos assaltados pelo Palácio do Planalto e taxados para parar de comer. Uma das felicidades de ser médico é ser presenteado pelos pacientes amigos e amigas. Pensem coisas boas! Maravilhosas! Já recebi. E não é bazófia ou papo de político. Realidade. Aí está minha secretária Clarice como testemunha ocular e degustativa. Quantas vezes ela também ganha coisas maravilhosas. Presentes com amor, com perfume da gratidão ou do reconhecimento, são graças divinas.
Cr & Ag
Há uma conhecida doceira viamonense, dona Rosaura, que faz doces com mãos iluminadas. O peso da idade não permite que trabalhe mais profissionalmente. Certos clientes antigos intimam-lhe inicialmente pela estratégia de que “ninguém faz igual à senhora” até chegar ao “se a senhora não fizer essa encomenda eu corto os pulsos ou me atiro da torre da igreja”. Sério! “Muito sério” como diz meu neto Lucas. Houve uma comoção e saiu gemendo da cama para fazer os doces ambicionados. Como sou um privilegiado, a dona Rosaura volta e meia me traz caixas de doces primorosamente adornados. Imagino algo assim que o califa de Bagdá comia. Ou o guru Lula na Granja do Torto ou nos eventos do Pré-Sal.
Cr & Ag
Vocês iriam desmaiar desidratados de tanto babar se contasse todas as obras de arte que ela faz. Como sou um cara antigo. Bem antigo. Do tempo em que se caminhava à noite pelo centro de Viamão e se conversava nas calçadas da praça com a tranquilidade dos justos. Sou do tempo em que se pintavam as casas para esperar o Natal e a pintura durava todo o ano seguinte. Hoje será destruída na mesma noite por um pichador maldito e impune. Sou do tempo em que as maiores drogas que existiam podiam ser trocadas a cada quatro anos e bolsa da família era uma coisa que as mulheres usavam para adornar sua beleza, passando por gerações e não uma safadeza eleitoral. Sou antigo. Tão antigo nós éramos cidadãos brasileiros e hoje somos meros sobreviventes. Voltando ao caso antes que “a vaca (da presidenta) tussa”.
Cr & Ag
Quando guri eu ia na “venda do seu Lelé”, antigo armazém ali nas pestanas da velha Borracheira e comprava cocos de verdade. Cabeludos. Com cuidado se fazia um buraco no olho ou no umbigo do coco para beber sua água. Quebrava-se com o machado. Seria olho ou fiel do machado? E raspava-se, ralava-se o coco com as mãos. Perdia várias lascas de dedos nessa tarefa. Tudo valia a pena, nada que um mercurocromo não cicatrizasse. As passas eram gigantes, pretas e doces, abria para retirar as sementes deixando-as em forma de concha ou canoa. Minha mãe Dora gostava que ajudasse. Incentivava. O coco cozinhando no fogão a lenha exalava um perfume que varava fronteiras e vizinhanças. Quando esfriava o necessário era moldado com as mãos umedecidas e colocado no leito das passas. Eu adorava esperar para raspar a panela entre as pernas e sentado na escada. Deus do céu, a cada olho de sogra da dona Rosaura esse universo refloresce em minha alma. E abria as panelinhas de papel para o acabamento e boa apresentação. E a alegria de chamar a gurizada para comermos juntos ou levar numa caixinha como presente para alguém. Somos e fomos felizes. E sabemos!