O Galo da Meia-Noite! Arrastando a asa.
“Arrastar a asa!” – é uma dessas expressões idiomáticas que espelham, retratam, aludem a um comportamento típico do universo machista. Na natureza, particularmente nos galináceos, o galo larga um vanerão sambado, talvez um tango nas volúpias da madrugada, e abre uma das asas e ensaia esse bailado inebriante em volta fêmea pretendida. Crista vermelha tremulando, batendo continência ao alto. Esporões que se chocam em pancadas insidiosas, alguns cantam antes e despois do acasalamento com a bela ‘esganipada’ (escabelada, despenteada), mas contente de amor lavado.
O gaúcho é um ser pródigo em associar a natureza, os instintos dos animais e a vida campeira ser vertida em crônicas. Quando um homem está cobiçando uma fêmea, diz-se que seus trejeitos, aproximações, estratégias, que está “arrastando a asa”. Que maravilha! Pois uma amiga, certa feita, me contava de estar sendo assediada, no melhor sentido, num ‘arrastar de asas’. Entretanto, como é da natureza da fêmea garbosa, geralmente se mostra alheia ou ‘difícil’.
Crônicas & Agudas!
Nessa balada recordei do ‘galo da meia-noite’. No bairro Mendanha, nome dado pelo arroio Mendanha (maestro do Hino Riograndense), aglomerava-se uma população negra. Hoje seria chamada de quilombo? Uma lomba forte que culminava no calmo arroio onde as lavadeiras da cidade de Viamão exerciam seu ofício. Numa faixa de terra entre a rua poeirenta e o campo do Matadouro dos Pinto, eram suas casas, além de outras mais no topete da lomba. O branco Pasqualino, exímio funileiro, casado com a Negra Doca, fazia canecas, funis, formas, bacias, etc. O Edson guri curtia e adorava aquela região. Todos eram amigos eternos de minha avó Adiles e da minha mãe Dora. Em sua casa comendo um bolo e vendo o Pasqualino trabalhar ou no arroio de correria com outras crianças.
Cr & Ag!
Num tempo desses havia um galo, que ‘se sabe lá porque cargas d’água, abria o berro à meia-noite. E quem diz de parar a cantoria. Atrapalhava o sono das criaturas no entorno e alertava algum ‘gambá bicho ou humano’ comedor de galinhas. Alguns diziam que até as galinhas colocavam menos ovos por causa da cantoria. “Ele dormia de dia?” – que nada. Dotado de intenso furor sexual não dava folga para as galinhas, além de por vezes fugir e arrastar a asa para as galinhas dos vizinhos e até outros bichos de pena. O jeito como olhava os urubus do matadouro era insana. Talvez o dono do cristudo sentisse uma empatia a mais pelo galo, já que rejeitava qualquer oferta, pois o pessoal queria fazer uma sopa ou uma galinhada com o bicho.
Crônicas & Agudas!
Eis que um dia, apareceu um entendido nas artes e labirintos da espiritualidade que atestou ser o galo da meia-noite um guerreiro africano que cantava em proteção aos seus filhos. E alertou que o tratassem bem, muita comida e muitas galinhas e que jamais alguém lhe causasse mal, pois desgraças aconteceriam. Nessa época não se tinha medo de político corrupto, traficantes e covid. E o galo até era levado nos braços de casa em casa para aumentar a proteção. Vida de rei!
Se tudo que sobe, um dia desce… Tudo que começa, um dia termina. O galo já dava pitaco até em casamento, nome de criança, voto em candidato, jogo do bicho e o que surgisse. Uma noite escura como coração de bandido, fria como hálito de cobra, o galo não cantou. Teria atrasado? O pessoal não se conteve em esperar o amanhecer, saíram em comitiva com velas e candeeiros. O galo estava morto! Morte natural, parecia. Recebeu até pompas fúnebres e discurso de político. E assim o Galo da Meia-Noite parou de cantar e arrastar a asa e o Mendanha seguiu os lampejos do tempo!
2023.05.16 – O Galo da Meia-Noite! Arrastando a asa – Edson Olimpio Oliveira
Crônicas & Agudas
Jornal Opinião de Viamão
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