Matracas – abrir ou fechar – Edson Olimpio Oliveira – Crônicas & Agudas –07 Abril 2015

 

2015 – 04 – 07 Abril – Matraca – abrir ou fechar- Edson Olimpio Oliveira – Crônicas & Agudas – Jornal Opinião

 

Matracas – abrir ou fechar

 

Na minha infância viamonense havia sons identificadores de profissões e criadores de fantasias na gurizada. O afiador de facas, tesouras ou qualquer coisa que cortasse – exceto certas línguas ferinas – era de uma flauta. A criançada corria pra avisar as mães que o afiador de facas passava com sua oficina ambulante agregada numa bicicleta ou num carrinho. O gaúcho sempre teve um amor especial pelas armas brancas e é o embate entre lâminas varando o ar denso ou cortando carne em esguichos rubros com olho no olho que separa o valente do covarde. O som da flauta remetia para o ancestral conto dos irmãos Grimm, do Flautista de Hamelin, e imaginávamos os ratos de quatro e de duas pernas sendo mesmerizados, hipnotizados, encantados pelo flautista e afogados no Lago da Tarumã.

 

Cr & Ag

 

Nas celebrações da Semana Santa, por vezes, ocorriam nas procissões além dos sinos da igreja, das sinetas dos coroinhas e sacristãos, o clac-clac das matracas. Feitas de tábuas de madeira com dois aros de ferros ou arame rígido, um de cada lado, que num movimento rápido e rotatório das mãos gerava o som característico. Muitas cidades e regiões ainda as usam solenemente. Também era o instrumento de chamamento do antigo vendedor de casquinhas. Com imensos latões albergados nos ombros atulhados de finíssimas casquinhas crocantes de cereal fazia o deleite das crianças e de muitos adultos. Preferia circular pelas ruas poeirentas após o almoço. Ou quando os adultos gostavam de sestear, dormir, serrar um toco, entregar-se aos braços do Morfeu. O esperado pela criançada podia ser um transtorno para os pais. Então deixavam uns pilas sobre a mesa para não serem interrompidos. Algumas vezes, escutava-se alguém indignado com o som: – Fecha a matraca!

 

Cr & Ag

 

Eis que matraca é sinônimo de pessoa tagarela ou faladora. De quem fala pelos cotovelos. Quando a professora que hoje alcunham de “tia” mandava “fechar a matraca” geralmente não se escutava nem o respirar das criaturas. A disciplina, hoje simplória palavra dos dicionários, era mandamento de Deus e das famílias. Vem o episódio do “por que não te calas” do rei espanhol Juan Carlos para a verborreia indisciplinada de Hugo Chaves numa conferência de chefes de Estado no Chile. Na minha primeira semana de aula, ao adentrar os umbrais da Faculdade de Medicina, na cadeira de Psiquiatria, fomos divididos em grupos de cerca de cinco estudantes. A maioria das profissões e atividades e situações humanas recebeu a presença constante de um estudante para “ouvir”. Ouvir e aprender e transmitir aos colegas. Anotava-se e discutia-se com os monitores e logo em sala de aula com os mestres. Saudades da sabedoria do professor Dr. Darcy Abuchaim, de uma família de brilhantes médicos e psiquiatras de reconhecimento internacional.

 

Cr & Ag

 

Íamos às casas, locais de trabalhos mais diversos, do nascimento ao velório. Pense em alguém, num estado de vida e de morte, qualquer profissão da mais antiga a mais moderna ou transitória. Ou desempregado. Sedimentávamos camadas de respeito, aceitação, ruptura de paradigmas e busca de entendimento. Na base estaria “escutar”. Tantos profissionais enchem os pacientes com a sua fala e quase nada sobra ao paciente para dizer, falar, ser um paciente que espera ser ao menos ouvido, importante pra alguém. Na euforia de “novos médicos” aprendíamos a fechar a matraca. Ouvir mais e respeitar mais. Certos valores mudam numa sociedade de transitoriedade, muitas vezes abjeta. O Filósofo do Apocalipse gravou que “política é a arte de falar mais e de fazer menos”. Somente os obsidiados pela ideologia ou pela idolatria ainda se encantam com o falar muito, propagandear sempre, mentir com convicção e iludir na insistente manutenção do poder. No Brasil de todos nós sem corrupção e ladroagem “que ainda não tem nada provado” precisamos que homens públicos fechem suas matracas, escutem mais o povo e não seus seguidores cabresteados e de plantão e façam o que lhes compete.

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