A Outra! Edson Olimpio Oliveira. Crônica 4 da Série Moto! Paixão Eterna. 29 setembro 2017.

 

A Outra.

 

                        Saibam todos que lerem essas crônicas que existiu uma espécie fantástica de homens que pilotavam máquinas maravilhosas chamadas de Motocicletas, que rasgavam este planeta como cometas rasgando o manto negro do Céu!” (Crônicas & Agudas da Primeira Capital Equipe)

 

             Sempre soube que isso poderia acontecer com qualquer mulher. Me doía na alma saber que alguma de minhas amigas foi traída. Outra vez, ajudei a reconciliar o casamento de minha irmã, pois o cretino do meu cunhado aprontou para ela. Mas isso acontecia sempre da minha porta para fora.

 

O nosso relacionamento sempre foi muito bom. Foi meu primeiro namorado e o meu primeiro homem. Eu jamais quis qualquer outro. Para ele eu entreguei meu corpo, meu coração e até minha alma. E ele sempre me retribuiu. Tivemos filhos. Dois. Com eles me completei como mulher e amadureci como pessoa. Como gente. Mas de uns tempos de para cá, cerca de sete meses, ele estava normal demais. Sabe como é? Muito normal. Pode parecer estranho eu dizer assim. Sei lá se era um sexto ou sétimo sentido. Mas alguma coisa havia. Podia ser somente encucação minha. Ou talvez essa tal de pré-menopausa em que a mulher começa a desconfiar de que já não sendo tão jovem, não possa continuar tendo os mesmos atrativos físicos e encantos para o seu homem. As rugas dos cantos dos olhos sempre me incomodaram e também sinto que a musculatura já não é a mesma.

 

Ele sempre me dizia: — Amor, nós fomos jovens juntos e vamos ficar velhinhos juntos, sempre nos amando e nos acarinhando.

 

Via a insegurança das minhas amigas e, verdade seja dito a maioria já estava no segundo ou terceiro casamentos, ou agora relacionamentos. Até isso mudou de nome e de convicção. Debitava esses sentimentos à minha insegurança. Sempre acreditei que se um homem tivesse outra mulher, o seu desempenho sexual se modificaria. Tanto em qualidade como em quantidade. Mas até por aí estava bom. Bom demais. Ele continuava me procurando como em nossa juventude. E eu por várias vezes, quando ele chegava muito cansado em casa, procurava-o até para testá-lo. E as nossas relações eram fantásticas. Pela manhã eu parava aos pés da cama e olhava nossos lençóis revoltos e aspirava o perfume de nossas marcas de amor. E viajava em minha imaginação até, subitamente, ser acordada de um sobressalto. Como se uma voz lá dentro me dissesse: — ele tem outra. Minha cabeça parecia enlouquecer e muitas lágrimas tempestuosas rolaram de meus olhos. Eu não queria permitir, mas, certamente, deixava transparecer minha angústia.

 

Ele me perguntava o que havia comigo. Eu só respondia: — Nada, Amor, estou cansada do serviço e preocupada com os filhos, sabe como é a escola, as drogas e as más companhias… Então ele me acomodava em seu peito, bem abraçadinha e beijava suavemente meus olhos.

 

                        Tentei largar mão disso. Mas não adiantava. Passei a controlar sua conta de telefone e ligava para seu celular em horários variados e inesperados. Nada. Cheirava e examinava suas roupas. Jamais encontrei marcas de batom ou perfume de mulher. Engraçado, algumas vezes elas estavam com cheiro de gasolina e com manchas de graxa. Ele alegava que era pelo carro que estava dando problemas. Mas nunca deu problema quando eu andava nele! E nem quando as crianças saiam. É assim, a gente continua chamando os filhos de crianças apesar de já estarem moços… E eu sempre afastei deles qualquer dúvida sobre o comportamento de seu pai.

 

As suas viagens a trabalho permaneciam iguais. Iguais demais. Sempre me telefonava da estrada e quando chegava. Mas não me convidava tanto como antes para acompanhá-lo. Dizia que a estrada estava muito perigosa e cansativa e que ficava mais tranqüilo comigo em casa cuidando da família. Mas isso não me convencia e era mais uma ponta de desconfiança. Atirava verde sondando seus amigos. Mas sabe como é homem, um sempre protege o outro. É uma confraria. Se bem que com mulher também não é muito diferente, não é? Telefonava para a portaria dos hotéis, mas eles sempre diziam que ele estava hospedado sozinho. Ou tinha engavetado os caras ou podiam se hospedar em apartamentos separados para não dar na vista…

 

                       

            Comecei a controlar seus extratos de conta e seus cartões de crédito. Então encontrei despesas inexplicáveis. Por mais que ele explicasse, havia gastos extras. Até uma quantia da poupança desapareceu. Ele explicou que tinha feito uma aplicação de risco na bolsa e estava aguardando a melhor hora para sacar. Ficava de mostrar os papéis e sempre esquecia (!?).  Acho que já estava neurótica ou até paranóica. Sei lá. Que barra, meu Deus.

 

Dias que minha cabeça rodopiava. — Estás boiando na maionese? Sacudiu-me minha manicure. — Estou falando contigo a uma meia hora e tu parece estar em outro mundo, – arrematou.

 

Realmente, por muitas vezes eu estava em outro mundo. Um mundo de dor e incerteza. Sabia que aquilo estava destruindo nosso casamento. Minando nossa vida. O desastre estava prestes a acontecer. Eu sabia.  Voltando de uma de suas viagens, fizemos amor no chuveiro e ficamos deitados no tapete por longo tempo. Ele me contando os detalhes da viagem. Eram detalhes demais. Na manhã seguinte, ele, como sempre, saiu para trabalhar e, como sempre, se despediu me beijando e jurando me amar. O que também fazia com freqüência exagerada.  Esqueceu o leva-tudo.  Invadi sua bolsa. Ali encontrei um chaveiro. Um chaveiro com uma única chave e um nome: Morgana. Berrei em prantos de fúria e tristeza. Como se um punhal, antes espetando meu peito, agora o rasgasse e arrancasse meu coração. Enlouqueci. Fiquei desatinada. Quando dei por mim já havia horas passadas.

 

A dor continuava, mas havia se transformado, em parte, na necessidade de flagrá-los. Esgotei as lágrimas. Sentia uma gana remoer minhas entranhas. Precisava planejar algo. Aquele maldito nome, Morgana, latejava em minha cabeça. Agora eu tinha certeza. Eu estava certa. Sempre soube. Como é que ele pode fazer isso comigo? Pensava. Pensava… Um turbilhão de sons e imagens me cegava os sentidos. Imagine só por um momento…  Ponha-se no meu lugar…  E se eu fizesse isso com ele? Não, eu nunca faria isso. Preferiria morrer antes a ter que trair alguém. Ainda mais ele.

 

                        Os dias seguintes foram um inferno. Planejei tudo para o fim de semana. Ele teria de viajar na Sexta. Certamente levaria a maldita consigo. Aí eu pegaria os dois. Eu tinha certeza que se falasse qualquer coisa para ele, ele negaria solenemente com aquela cara de insosso apaixonado. Se estava apaixonado por outra, por que não me disse? Seria muito mais digno e até normal. Deveria ser uma jovem de curvas torneadas e… bumbum rebitadinho. Sempre soube de suas preferências…

 

                         Manhã de Sexta. 9 horas. Pegou a pequena bagagem e saiu no carro. Dei um tempo e segui-o no carro de meu filho. Em vez de ele tomar o rumo da BR, seguiu para outro lado. Parou defronte um bloco residencial. Assim tipo estúdios. Uma garagem embaixo e o apartamento em cima. Típico ninho de casal sem filhos. Como um motel "residencial”… Coisa de doido! Buzinou três vezes. Só podia ser um código. Abriu uma porta menor no portão da garagem e entrou deixando o carro na rua. Fechou o portão. Saí rapidamente de meu carro.  Colei o ouvido ao portão.

 

 Escutei sua voz melosa: — Morgana, meu amor, que saudade que estava de ti. Cada vez mais sinto tua falta. Queria estar contigo todos os dias. Não consigo mais continuar escondendo nosso relacionamento. Quero contar para todos. Vou contar para minha mulher… 

 

Foi aí que eu explodi e berrei a plenos pulmões: — Então conta, desgraçado! Traidor. Bandido! A porta abriu-se, lentamente. Ajoelhada, assisti os raios do sol esgueirarem-se refletindo-se em cromados. Cromados?! Sim, cromados extremamente polidos de uma motocicleta. Onde está a mulher? A desgraçada que me roubou o homem da minha vida? Não havia qualquer mulher em lugar algum.  Com quem ele falava?  Mas então…  Acordei do pesadelo. Ele me arrancou da minha loucura. O chaveiro pertencia a Morgana, a motocicleta. Meu Deus, então Morgana… Morgana era a outra. Em seu tanque de combustível estava pintado seu nome e o meu dentro de um estilizado coração escarlate trespassado pela estrada da vida.

 

 

Por algumas dessas bobagens, eu sempre o impedi de ter sua moto, apesar de sua paixão. Mas ali estávamos nós nos confrontando com nosso destino. Realmente, ela é jovem e bela. Suas curvas são alucinantes. Seus faróis, como olhos cintilantes brilham, lampejam para mim. Ligada, sinto o bater ritmado de seu motor, como nossos corações e o calor que emana de seu interior.

 

 

 

Ele e Ela me convidam a passear. E nós três abraçados, saímos deslizando. Tal qual um bailado com corpos entrelaçados em paixão correspondida. Agora num triângulo. Triângulo não! Um quadrado amoroso perfeito e plenamente consentido e indivisível: Ele, Eu, Morgana, a nossa Motocicleta, e a nossa Vida, agora de volta.

 

 

2017-09-29 – Publicada na Série Moto! Paixão Eterna. Crônica 4

www.edsonolimpio.com.br

Moto - Paixão Eterna - 1 - 2017 CHiPs

 

 

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