Soluços Soluçantes! Edson Olimpio Oliveira. Crônicas & Agudas. Jornal Opinião de Viamão. 13 Novembro 2018.

 

Soluços Soluçantes!

 

C

erta ocasião, madrugada agitada, inflação de bêbados e bêbadas escandalosos, a enfermagem troteava incansável na sala de urgências. A recepção transbordava de gentes de todas as espécies humanas e algumas a serem exploradas pelo mestre Charles Darwin. Relâmpagos riscavam o céu numa caligrafia que somente deuses esquecidos nos umbrais do tempo seriam capazes de descrever. O hálito morno da tormenta soprava pelos janelões abertos que como num vórtice fétido trazia o cheiro de amônia fedida ou urina mesmo. O pessoal estava naquela luta desde a troca do plantão das 19 horas. Os plantonistas do dia quase tiveram que internar pelo esgotamento do trabalho. Os alegrões pós vitória ou derrota no futebol estavam lanhados de briga ou encharcados de trago e continuavam dando trabalho aos amigos que ainda se mantinham em pé. O bafo da chuva trazia o aviso de que diminuiriam o pessoal ao Hospital de Pronto Socorro, famoso HPS ou, na intimidade, o “nauseocômio da municipalidade”.

Crônicas & Agudas

Faltavam macas e cadeiras de roda. Eis que irrompe pela entrada das ambulâncias uma hoste ou uma falange que vem atropelando quem quer que estivesse no seu caminho. Um tsunami de gente esbaforida, aturdida e contundida. Arrastavam um homem gordo. Gordo! Mais ainda. Gooordo! Os da frente improvisaram uma toalha sob a cabeça, pescoço e parte do maciço montanhoso do tórax. Deviam ser de 6 a 8 caras segurando a bronca, digo, o tamanho da criatura. Mulheres da família ou adjuntas num griteiro e num choro de ai-ai-ai e ui-ui-ui. Vieram de Canoas passando por tudo que era atendimento, até de bombeiros. Tudo começou com um soluço comendo uma paleta de ovelha e tomando uma Malzebier. E começou a soluçar. E vieram as simpatias. “Sopra nas ventas” – não funcionou. “Torce as duas orelhas e bota a língua pra fora” – não deu certo. “Gargarejo de salmoura” – piorou e se engasgou. Chamaram uma vizinha que benzia de tudo – só faltou comer a arruda e nada. Eis que alguém teve a “feliz ideia” do susto. E resolveram apelar para um susto grande, o maior possível. Chegou o cunhado ou primo e largou: “Ele tá dormindo com a égua do Aristides”.

Cr & Ag

Aí fedeu. A esposa desceu a mão aberta na bochecha do animal, digo, criatura e o pau comeu solto e só parou quando alguém berrou: “Ele tá tendo um derrame com enfarte junto”! O homem cerrou os olhos, travou os queixos e espumou nos beiços – soluçando sempre! E foi aí que começou o corre-corre que depois da mui famosa Benefa (Hospital Beneficência Portuguesa) que aportou no HPS. A turma do “deixa disso” e “quem te pede sou eu”, “o cara tá apitando na curva e vai abotoar”, serenou a brabeza e encaixaram na Kombi e “se vieram” com outros “carros de apoio”. Enquanto um colhe a história outro examina e o resto pega veia, bota oxigênio, tira a bermuda mijada, mede pressão, etc. A turma gritava do corredor: “Salva ele”! “Chama o especialista de soluço e de derrame. De enfarte também”! E o soluço não aliviava com a medicação no soro e direto nas veias. E dê-lhe soluço. “Ele entortou a boca”. Levavam copos de água para os acompanhantes e desceu o serviço social e a segurança. Eis que surgiu, como por encanto, um idoso médico com os óculos meio embaçados. Mandou buscar um pote de açúcar na cozinha. Armou-se de três colheres de sopa de açúcar na mesinha auxiliar e sacou uma gaze úmida de “flor de maçã”. Uma cheirada e num pinote o artista sentou na maca. O doutor mandou engolir lentamente as colheres de açúcar. O soluço sumiu como por milagre, desentortou o que não estava torto e… Curou-se!

Estava no centro de Viamão City após o encerramento das eleições em que Bolsonaro venceu e passou por mim um gordinho com soluços ou singultos e uma bandeira vermelha escondida sob o moletom. Eis que me lembrei com nostalgia dos tempos de HPS!

2018 – 11 – 13 Novembro – Soluços Soluçantes – EDS OLIMPIO – Crônicas & Agudas – Jornal Opinião de Viamão

www.edsonolimpio.com.br

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