J que no morro mesmo, quero comida! Edson Olimpio Oliveira. Crnicas & Agudas. Jornal Opinio de Viam o. 10 Maio 2022

“Doutor Edson, – dizia, meu Amigo e padrinho de Crisma, seu Osvaldo Canquerini – fundador do Capão da Porteira’, tem morrido índio nessas tigueras que nunca morreu antes”. E soltava um sorriso matreiro como cavalo de cigano. Gostava de escutá-lo e conviver com ele. Uma fonte de sabedoria, respeito e amor centenário. É um dos privilégios que a vida me deu – Dona Otília, esposa, e Seu Osvaldo Canquerini. E vamos ao causo – adaptação livre pelo cronista.

“Já que não morro mesmo, quero comida!”

Nas Lombas, numa terra de coxilhas entre Santo Antônio da Patrulha e Viamão, residia um idoso e sua numerosa família. Homem bem quisto e respeitado de tomarem a bênção com chapéu na mão. Devoto da padroeira do Capão da Porteira, a Santa Terezinha. O coração já não troteava de marcha batida como cavalo de delegado, estava mais para potro manco. O pulmão, um fole velho que gemia e chiava como caminhão atolado nas estradas da região. O corpo já falquejado e lambido pelo trabalho duro num clima inclemente em que o vento Minuano não respeita alambrado e nem cerro alto.

Consultara e se tratara com vários médicos até ser “desenganado”. Restava-lhe o “doutor Dante”, um respeitado prático local. Xaropes e poções. Comprimidos e benzimentos. Promessas e lavagens intestinais quando o intestino empedrava e os supositórios de glicerina não afrouxavam a bigorna.

Num final de tarde invernosa, ao tirar o leite da vaca Elvira, tombou do banquinho e arroxeou os lábios, derramando o balde de leite. “Vovó acuda!” Gritou o netinho brincando de boizinhos com espigas de milho. Foi um Deus nos acuda e um corre-corre. Deitaram-no na sua velha cama. “Busquem o Seu Dante! – alguém berrou. Família reunida, despacharam volante para chamar os mais distantes A coisa estava osca, russa mesmo. Coisa como briga de foice no escuro. Logo chegaram carroças, carretas, uns a cavalo e muitos a pé. Um cortejo que varava a porteira e os alambrados e se acampavam na despedida final. Dispensaram o vinda do Padre, pois já lhe havia dado mais de uma extrema-unção. Estava abençoado e benzido uma barbaridade para a derradeira viagem para a cidade dos pés juntos ou de onde quem vai não volta.

Com a vela nas mãos e outras espalhadas pelo quarto e casa, as mulheres rezavam o terço e pediam benção de saúde e sobrevida à Deus. Algumas desmaiavam e um filho mais emotivo teve um ‘vago’ e quase engoliu a língua. Uns acudiam aos outros e os outros tomavam chás e homeopatias e eram abanados. “Isso é da vida e de Deus”, “todos vão um dia”, “ele vai pro Céu, é um homem sério e bom”… E bateu a fome no pessoal. Mate com broas e roscas eram insuficientes. Apearam uma manta de charque do varal e logo estavam preparando um arroz carreteiro no fogão de rabo. Mais aipim e batata-doce. A gata Rosada persistia deitada em seus pés na cama e o cusco Pitoco não arredava do lado de seu amigo. Baixaram as tábuas guardadas nos caibros do galpão e o Negro Acrísio, exímio carpinteiro, se agarrou na feitura do ataúde. A noite galopeava no lombo do vento Minuano, que cortava mais que língua de sogra. Esgotaram-se as lágrimas. Roucas gargantas. Nada do velho bolear a perna e passar para o outro lado. Trocaram velas nas mãos (queimadas dos pingos de sebo) do moribundo e esgotaram as rezas conjuntas. O pessoal já dormitava pelos pelegos.

Eis que o galo se empina e larga os primeiros gritos saudando o raiar do sol. Ermelina, a filha dileta, sempre ao lado do “paizinho” foi a primeira a ouvir: – “Já que não morro mesmo, quero comida. Tô com muita fome. Me faz uma sopa de galinha e frita uns ovos com a minha morcilha Até aprontar me faz um mate, menina”. Diz a sabedoria popular que lugar estranho é cemitério – tem altos muros e grandes portões de ferro. Desnecessário! Quem está fora não quer entrar e quem está dentro não pode sair. E seguiu a toada, mais ou menos assim naquela família e com aqueles amigos, pois ninguém além do Pai, Patrão Celestial, sabe o seu momento de subir ou de descer. A criatura, o defunto morre de olhos arregalados até com as pupilas bem dilatadas para enxergar o caminho – será verdade?

2022.05.10 – Quero comida – Eds Olimpio

Crônicas & Agudas

Jornal Opinião de Viamão

www.edsonolimpio.com.br

Dr. Edson Olimpio Silva de Oliveira

Médico. Cirurgião. Escritor

CREMERS 07720

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Médico Cirurgião Jubilado

Sociedade de Cirurgia Geral do Rio Grande do Sul – SOCIGERS

Conselho Regional de Medicina RGS – CREMERS

Associação Médica do RGS – AMRIGS

Associação Médica Brasileira – AMB

Viamão – RS

1971 a 2021 – 50 Anos de Medicina

http://www.edsonolimpio.com.br

Autor dos livros:

Crônicas & Agudas

Crônicas & PontiAgudas

Trinity! A Saga continua.

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